Por Severino Francisco
Na década de 1980, os prédios rareavam, a experiência de solidão espacial era intensa e a magnitude celeste hipnotizava ainda mais. Foi nessa época que o artista plástico Hermusche iniciou as experimentações que resultaram em uma das mais importantes representações visuais de Brasília. É como se ele injetasse rock´n roll nos céus da cidade. As imagens que produz parecem um solo de guitarra de Frank Zappa, desencadeando descargas elétricas, que provocam um curto circuito lírico na paisagem da cidade. Hermusche escolheu quatro gravuras de uma série original de 10, intitulada Sob o Céu de Brasília, para relançar em um álbum, impresso com todo esmero e qualidade das técnicas modernas de reprodução.Neste meio tempo, de 1984 até agora, ele usou outros suportes e linguagens, como o desenho, a pintura,o vídeo e os projetos de instalação. No ano passado, montou uma grande exposição sobre arte e meio ambiente em Dessau, na Alemanha. Decorridos 34 anos, ele se deparou com uma surpreendente contemporaneidade dos trabalhos, mas, por uma questão de viabilidade, decidiu reeditar apenas quatro mais conectados com o momento em que vivemos, bombardeado de sinais luminosos. Embora possa aparentar fotografia, a gravura intitulada Futuro é um exercício exclusivo de pintura sobre fotolitos. Hermusche pintou cenas diurnas do planalto e com a ajuda da filha delineou os perfis de quatro crianças, que evocam a clássica representação das raças humanas: a branca, a preta, a amarela e a vermelha. É uma visão bastante idealista, marcada pelos valores da contracultura que influenciou muito o comportamento dos jovens na época.´´ Nada tem de religioso, mas expressa a dimensão utópica deBrasília como materialização de um Brasil do futuro.´´ A gravura Meu universo retrata o entardecer noinverno, com citação as paralelas e coordenadas planetárias. Hermusche joga tinta no fotolito e ofundo do céu fica todo respingado. À direita, pega a quina de um edifício, uma janela e uma antena antiga de tevê. O avião é o sinal da vida contemporânea. Em seguida, inseriu algo importante para ele: signos da arte indígena: ´´Coleciono arte plumária há muitos anos. No tom sobre tom, usei símbolos primitivos da cultura brasileira. Vemos o Brasil se afundando no lixo e na corrupção e as culturas indígenas destroçadas pela violência. Sei que isso não vai brecar a barbárie, mas é um gesto simbólico para mim´´. Hermusche incluiu a gravura Antenas e Ondas porque ela é um marco. Pela primeira vez, ele representou as ondas, que tiveram tantos desdobramentos em sua produção. As verdes emanam dos apartamentos, e as azuis, do espaço sideral, independentemente da tecnologia: ´´Alí, eu tive a percepção de que as ondas eletromagnéticas poderiam se tornar visíveis´´. No trabalho Noturno, Hermuschedesenhou a cidade toda em branco e preto, com as luzes intensas irradiadas pelos postes, e as ondaseletromagnéticas atravessando o espaço. É uma gravura que também encontra uma conexão com o cenário da cidade em 2015: ´´Agora as ondas eletromagnéticas das grandes corporações midiáticas atravessam os corpos com suas mensagens de consumo. No momento, estou mais ligado nosdramas mais concretos dos cidadãos´´, comenta. Esta é uma publicação independente para preservar a liberdade, a autonomia e um preço acessível aos jovens que compram as gravuras, é como se encontrassem rock´n roll em imagens. Certo dia, Hermusche ficou curioso e perguntou a um deles o que o atraía. O rapaz respondeu, enfaticamente, em tom de rock´n roll, como se fosse uma questão óbvia ou idiota: ´´Esta é a minha cidade, nasci e cresci aqui!.´´